ACADEMIA PARAUAPEBENSE DE LETRAS

No dia 19 de fevereiro de 2022, tomei posse da cadeira de número 21 da Academia Parauapebas de Letras.
A literatura sempre fez parte da minha vida. Ainda criança lembro da nossa casa ter sempre muitos livros. Brinquedos? Nas datas festivas. Mas para os livros nunca tinha época. Junto ao gosto da leitura, veio o gosto pela escrita. Amava papel, canetas, lápis de cor. Português era, junto com redação, as matérias favoritas. Lembro de ir a museus e meu pai me falar pra anotar as etiquetas das minha obras favoritas. Primeiro fazia meio a contragosto, mas logo já estava adorando aquilo!
O primeiro texto que lembro ter escrito, aos 15 anos, foi a peça teatral chamada Nem Romeu, nem Julieta. Quem a assistiu no Cineteatro de Carajás, se lembra até hoje. O humor sobressaiu e a tragédia ficou em segundo plano. Depois outras peças vieram, já na fase adulta, mas a publicação de qualquer coisa não estava em meus planos. Foi preciso vir a pandemia para que esse desejo de “liberdade” tão controverso em relação ao momento em que “vivíamos” saísse da gaveta e voltasse a fazer parte do meu dia a dia. Eu precisava escrever. E assim o fiz. Primeiro uma crônica no concurso literário da APL. Depois um artigo científico, depois outro, e outra crônica até que chegaram os livros infantis.
De que cor eu sou?
Minha família é diferente da sua, e agora?
Pq ele têm e eu não?
Perguntas que resolvi fazer e ter a ajuda das crianças para responder. Esses meus livros, cada um inspirado em um dos meus filhos que aqui se encontram presentes e que daqui a pouco farei questão de agradecer, trouxeram para mim grandes oportunidades! Primeiro, estar na XX Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro a convite da Secretaria Municipal de Cultural deste município e agora estar integrando o grupo de seletos e talentosos escritores de Parauapebas junto à APL.
Espero estar à altura desta missão que agora me foi dada e ajudar a promover ações que permitam o acesso à leitura pelo maior número possível de pessoas.
Kiki Oliver
Carolina Maria de Jesus

Minha patronesse nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais em uma comunidade rural, filha de pais analfabetos. Aprendeu a ler em uma breve passagem pela escola, aos 7 anos. Após ela e a mãe serem acusadas de roubo no local em que trabalhavam, foram presas e apanharam. Posteriormente elas foram soltas já que o objeto do roubo foi encontrado e essa situação foi a virada de chave na vida da minha patronesse: ela não permaneceria em Minas. Após a morte da mãe, se mudou para São Paulo. No local em que futuramente seria a favela do Canindé, ela constrói a própria casa. Trabalhava na casa de um médico e em sua folga visitava a biblioteca da casa e passava o tempo livre lendo. Posteriormente, ela, que tinha feito apenas até a segunda série primária, começa a catar papel e aqueles papéis que eram bons, ela usa pra escrever seus diários. A fome era uma companheira diária na sua vida e dos seus 3 filhos. Ela já tinha muitos diários quando um repórter da futura Folha de São Paulo, ao visitar a favela que ali surgia, conhece a promissora escritora e um destes diários vem a dar origem ao seu primeiro livro, Quarto de Despejo - Diário de uma Favelada, publicado em 1960. A obra virou best-seller, foi vendida em 40 países e traduzida para 16 idiomas. Após a publicação e o sucesso do primeiro livro, a autora se mudou para Santana, bairro de classe média da capital. Três anos depois, publicou o romance Pedaços de Fome e o livro Provérbios. Em 1969, saiu de Santana para Parelheiros, no extremo da zona sul da cidade, uma região de grandes contrastes entre ricos e pobres, mas com ares de interior que lembravam a cidade onde cresceu.
Negra, catadora de papel e favelada, minha patronesse é, com muito orgulho, Carolina Maria de Jesus , uma autora que muito diriam, improvável. Nenhum aluno deveria sair da escoa sem conhecê-la.
Espero, em minha trajetória neste Silogeu, honrar a memória de Carolina Maria de Jesus, bem como de todas as fortes mulheres pretas das quais eu descendo.
Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia a História do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia nomes masculinos como defensor da pátria. Então eu dizia para minha mãe:
- Por que a senhora não faz eu virar homem?
Ela dizia:
– Se você passar por debaixo do arco-íris você vira homem.
Quando o arco-íris surgia eu ia correndo na sua direção mas o arco-íris estava sempre distanciando. Igual os políticos distante de povo. Eu cansava e sentava, depois começa a chorar.
Mas o povo não deve cansar, não deve chorar, deve lutar para melhorar o Brasil para nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo.